“Uma força que nos alerta”
...Maria não vai com as outras. Vai sozinha.
Mulher sem queixumes, sem lamentações, ou lenga-lenga. Ela não perde o prumo
pelo latido dos cachorros do vizinho em frente. Não publica desafeto nem
palavras vãs. Não ignora Paulo Freire e raramente aparece na rede social. Maria
desce sozinha a ladeira das considerações e desenterra os sonhos no garimpo das
causas sem esperança. Acende o candeeiro e ilumina pequeninos pódios. Traça
rotas e pega a corda que enlaça arco-íris com a força nova das promessas que
divinamente gotejam. Borda estrelinhas sonolentas na parede e abre as portas
que desativam o silêncio, o marasmo, a mesmice, o cheiro das coisas com bolor.
Quando aperta ela também chora. Acorda sempre cedo para atestar o grau que transforma
as práticas salobras em requisitos nobres. Ignora a marcha dos contrários. O
“mi-mi-mi” dos incrédulos e a arte dos que se auto enganam cotidianamente.
Engajou-se na afoiteza do simples e arranjou tempo para brincar de roda, dançar
com anjos e soltar pandorgas no riso mais alto. Somou princípios e ensina as
crianças e adultos a recitarem a oração da permanência. Compra tijolos, levanta
paredes. Reparte o pão, o azeite, o bálsamo, o confeito, a cesta com flores de
papel - que ela mesma faz. – Imita a Dorcas e transforma xales em lenços que
enfrentam medos. Anda fazendo tanta poesia que não dar conta de mensurar, de
imprimir, de publicar. Poesia viva que estala os dedos e coça o nariz, leva
topada, pega resfriado e espirra com os borrifos da poeira da estradinha
amarela. Fez a soma de tudo que necessita para compor a tenda das celebrações e
decidiu desentulhar o poço. Cavouca daqui, espreme de lá, percebeu que ainda
falta muito. Faltam arandelas para enfeitar o sol, placas divisórias para
cuidar das brechas. Falta tinta para botar cor na brancura dos cânticos e o
piso para proteger a área externa. Faltam livros e Bíblias, mas ela sabe que o
amor é um rio cheio e cristalino e jamais esse rio vai negar água a quem sempre
afogou as adversidades de seus pares com gotas de alegria, bondade natural e
porções de esperança do verbo esperançar.
*Maria
existe. Tem olhos clarinhos e uma alma boa que transborda.
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