domingo, 20 de janeiro de 2008

Chama no pavio da lamparina


Prossigo lume simplista. Vento sertanejo tentando mover os moinhos (que tendem a cochichar largamente em plena tarde de janeiro). Sonhando com a Ilha dos Querubins, lembrando o tempo que me pelava de medo do papa-figo, do cigano andarilho (que diziam invadir roçados), do Barba Azul, e outros seres que penduravam-se na minha inocência febril.. Enquanto isso, conservo o olhar de vigília igualmente ao da infância quando maravilhava-me com a vitrine da única loja de brinquedos da minha cidade: Lindas bonecas de olhos seda, zoológicos sorridentes de pelúcia brilhante, jogos diversos de todas as cores e eu amando desesperadamente aqueles brinquedos sem esperança e sem inveja. Eu os possuía em sonhos. Pois sabia que precisava me contentar com bonequinhos mirrados de pano modesto, bichinhos de lata, caravelas feitas de madeira desinvernizada, etc. Ainda bem que outros encantos vingaram e eu continuo rastreando os vaga-lumes com a mesma simplicidade;( pés no chão e alma de alfenim), colhendo os lírios da última quimera, estornando a espera, admitindo mais amor e desejando um céu de porcelana para postar os poemas que não consigo escrever.
Zenilda Lua

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Minúcias


O ano era 1990 e aquela tarde excedia luz. Minha alma não comentava nada que a diferenciasse das outras tardes até o carteiro passar e me entregar aquela carta que mais parecia uma serenata. Escrita a mão. Frente e verso vestida em letra de forma caprichada e morena. Lembrando as ilustrações dos contos de Andersen, apareceu como uma afirmação palpável, leve, graciosa e portadora de uma felicidade completamente desconhecida aos meus olhos céticos de cortesã despretensiosa. Ele não me conhecia. Nunca, nunquinha tínhamos sequer nos encontrado. Pegou meu endereço com um amigo numa noite de autógrafos e poemas. Esse amigo lhe falou da minha inclinação lunar, dos meus suspiros pela MPB e poesia . Das saias hippies, das longas cartas que eu escrevia e enfeitava de fita, das minhas noites de febre e estrelas, dos sonhos desviados, dos livros que eu sempre carregava na sacola de renda bordada e dos meus cordéis estendidos na parede da sala. Ele ficou estimulado e resolveu descompassar meu coração. Me falava na sua carta da sua paixão pelo teatro (fazia artes cênicas) e colecionava todas as raridades da MPB. Conhecia o Tom Zé, Ednardo, Alceu, Zé Ramalho, Geraldinho Azevedo,era amigo do Oswaldo, Renato Teixeira... Tomava cerveja com Zé Geraldo . Escrevia poemas e pichava os muros esperando um amor para desembrulhar o seu fado. É claro que eu me deslumbrei por inteira feito debutante quando encontra o seu par no baile. Respondi naquela mesma tarde a carta do Poeta que passava a me chamar de Lua e eu me sentia a própria; risonha, cheia, dourada, prateada e saudável passeando livremente por recantos invisíveis, experimentando sensações inexplicáveis... Naquele céu de virgens promessas, eu não exigia platéia apenas, percebia que as noites passaram a ficar muito mais cheias de graça e cor , as cartas se acentuavam em diversas e me induziam a colher todas as pétalas da vida sem saber que elas eram o supra sumo, o cálice bento, as placas de encantamento os olhos sacro do Amor...

sábado, 12 de janeiro de 2008

Presságio

Presságio

Ele me disse que tudo era incerto
que não tinha prumo
que estava cansado de rimas efêmeras
Eu olhei nos seus olhos
como que pedindo para deixar-me plantar na sua alma
minha última semente de orquídea ondulada...
Ele disse NÃO
como se decifrasse minha vontade mais secreta
e não bateu palmas,
não piscou os olhos,
sequer bocejou
Deu apenas um suspiro farto
(que despetalou inteiro o ipê amarelo)
e voou sorrindo feito um anjo enluarado
me alertando que as dores"carecem de ser lavadas"
se não vira pedra e embolora a alma,
põe cinza nos olhos mais claros
e torna insuportável as próximas visitas da quimera...

(Zenilda Lua – Primavera 2007)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

domingo, 6 de janeiro de 2008

À Paulo Henrique Baldi


Ele arranhou o travesseiro de tanto que pensou e desejou uma saída leve e confortável... Afinal de contas os primeiros dias daquele mês tinham se apresentado “cronicamente inviável”. Com uma estaca fincada no peito ele chorou até transpirar e não encontrou uma gota de sono para dormir na madrugada. Mal disse um milhão de vezes a tarde de encontro. Nada seria como antes, aquela certeza endurecida desafinava impaciente a sua alma aquariana tão cheia de vontades e planos. A amizade de anos fora arranhada. Ele sabia que tinha sido sensato. Guardara as flores de todas as promessas que um dia daria certo. Mas não deu. A fruta caiu no molhado antes de amadurecer e ele não tinha mais sementes... Precisava arrumar um emprego urgentemente, prestar vestibular, aprender falar inglês (já que não tinha viola, não sabia fazer poesia nem tinha mais lágrimas para chorar). Necessitava de outro norte e principalmente do colo morno e moreno de uma Roberta que não lhe saía do pensamento. Continuava com o travesseiro arranhado e seu amor pingando coma por todos os lados. Sonhando com a metade de um sorriso para poder alumiar aquela próxima manhã oleosa de março.
Zenilda Lua