sexta-feira, 30 de outubro de 2009


No meio da tarde a chuva rega todas as classes de telhado impiedosamente.
Entro em casa respingada.
Sapatos na mão, olhos em arrepios pela revoada de gotas geladas.
Na cozinha uma cena duplica-se em ternura.
Desprovido de guarnição ou alarde, ele recebe-me como num solstício sem lançar suspeitas. Dedos embebidos no sumo de limões-cravo, acariciando cuidadosamente o peixe que descansa impecável na brancura da travessa espessa.
Ainda incrédula àquela ação, abraço-o pelas costas num alvoroço festivo.
Adepto, a carnes gordurentas e lingüiça apimentada eu o vejo naquele cardápio lírico zelando peixes.
Não tive como deixar de puxar o fio da saudade e me redimir de toda pressa.
Revi a cesta envelhecida de corda onde ficava o pão francês, ao lado dos pratos de ágata com borda de flor. A prateleira desprovida de cristais ou louças raras. A mesa de madeira idosa ressecada de estrias. O cheiro da infância posta na minha alma arrebatada e esperançosa.
O amor aventurando-se morno, limpo e decifrável. Folheando um livro novo no meu rosto com lembranças de vó,farinha e mel.
As cartas começaram assim; assunto calmo reportado às feiras literárias, noites de inverno, céu que vira dormitório de estrelas, e outras papoulas e cais.
Lambi os beiços. O cheiro do peixe fazia-me refém daquele aguardo, enchia a casa.
Não quis mais desperdiçar nenhum fiapo serenoso do amor naquela tarde.


Zenilda Lua


terça-feira, 20 de outubro de 2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009