terça-feira, 27 de novembro de 2012



Como pode ser tão múltipla
risonha, inquieta e faceira
cavoucadeira de feitos
pesquisadora certeira
professora, esposa e mãe
amiga mulher-rendeira...
Há dias uma fisgada na coxa esquerda.
Ortopedista, raioX, compressinha de água morna e nada.
Mais uma fisgada, fina, intensa, relampejada.
Cardiologista. Aferição da pressão arterial. Eletrocardiograma. Ecocardiograma e nada.
Virei agasalho puído e mofado na escuridão da cova úmida. Calada.
Mais uma fisgada no meio do cocoruto como dizia meu pai.
Aí meu Pai!
Deus seja louvado, na cabeça não!
Em tudo menos na cabeça.


 Perder o juízo é sumir depressa na aridez de um velho cano rachado.
Jesus misericordioso não posso ir-me assim tão despreparada.
Consulta marcada com neurologista.
Caule amolecido e vigília florescente.
É a vida, é a idade, as fadigas diárias, a cangalha rangendo no breu das rochas.
Amanhã tenho compromisso inadiável.
Quarta-feira tem Ciranda de Poesia porque românticos NÃO são poucos e, aquela casa "Ponto de Cultura Bola de Meia" vai  enche-se mais  de História.
Viva Sônia Gabriel!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


Já havíamos comprado passagens, escolhido a roupa do dia, preparado o espírito para o maior encontro do ano e continuávamos;
eu e a irmã, negando a possibilidade de ida. Todas as desculpas cabiam nos telefonemas; hora  por conta do trabalho, hora por ser economicamente inviável, hora porque NÃO, ora!
Eles  faziam silêncio e, carinhosos, diziam  compreenderem o descomparecimento. Mas não entenderam quando aparecemos de surpresa no meio do salão branco todo enfeitado de flor e, estendemos os braços para o abraço mais despossuido de posses e mais festivo de toda essa vida. Lágrimas sinceras orquestraram aquele momento. O coração mais parecia boiada em galope que um músculo vital embalando o peito.
Estávamos os seis de novo envolvidos  pelo enlaçar do amor. O amor genuíno da matriz primeira. O amor que transborda, reveste, consagra, integra, reforça as batidas cardíacas e os pisões na unha do dedão. Justifica a colmeia bulinada com as pedras da coivara, a tapioca cozida no respiradouro da fornalhinha, o roubar das frutas de Tia Anália, os peixes do poço de Seu Zezito e nenhuma chinelada. Meus irmãos e eu, minha mãe e eles. O único sobrinho, as cunhadas, o cunhado, o Tio que nos deu de presente a primeira bicicleta. Minha alma de  beradeira voltava para o reflorescer do brejo (no tempo em que havia invernada) o milho embonecado e as outras safras descansando no paiol, o alpendre que cheirava manjericão e malva braba. O recreio no terreiro rústico, o ciscar das galinhas e a pintaiada. A leitura de cordéis, a oraçãozinha para o anjo guardião que o pai ensinava. - “Santo anjo do Senhor meu zeloso guardador” - ... e as humildes solidariedades. Tudo estava ali sobrepujando naquele salão branco enfeitado de flor.
A mãe deu o braço esquerdo à ele e caminharam suavemente para onde estava o Juiz. Os padrinhos também adentraram e a noiva que mais parecia uma princesa com hábito sereno, chegou pontualmente cheirosa a sorrir. 
Apanhada de sol sem conseguir fechar a torneira das lágrimas permaneci encostada na claridade daquela manhã, enquanto o responsável pela trilha sonora do evento, cantava aumentando a percepção das garantias divinas: “Nem mesmo o céu nem as estrelas nem mesmo o mar e o infinito não é maior que o meu amor nem mais bonito...”



quinta-feira, 15 de novembro de 2012



Há dias sofro de lonjura. Sofro de vontade bruta, profunda, cortante e única.
Há dias penso no menino que balancei na rede, que botei pra dormir, 
que dei banho quebrando a frieza da água do pote com água amornada na chaleira velha na casa da Vó. 
Mingau de arrozina em colheradinhas. 
Cantiga de roça invés de ninar. 
Nas primeiras leituras cartilha bordada e Pequeno Príncipe. 
Penso no menino de olhar suave e voz mais bonita de se escutar, que decretou festa em meu coração com suas notícias de coragem. Meu menino virou moço foi da Teologia a Filosofia, da Psicanálise a especialização mais elevada. 
Virou Mestre na categoria de AMAR.
Daqui a pouco esse menino emoldura o arco da promessa. 
Vai viver com um anjo de verdade a andará de mãos dadas, juntos enlaçados pelos canteiros sonoros de hospitaleiros jardins.
Eu fico por aqui com o coração marejando de emoção, desejando abraçá-los com a força maior que a alma pode guardar. 
Olhos cheios d’água e certeza: 
Se o correio não atrasou ao menos meu verso chegará inteiro aos olhos/ouvidos deles.  
Numa outra hora de posse e cheiros  declamarei o Soneto da Fidelidade, e numa rede avarandada de cor macia cantarei cantiguinhas de ninar e lerei estórias para o sobrinho, filho ou filha do meu irmão que não é mais menino... 
É de Rafaella!

domingo, 11 de novembro de 2012

De novo fomos para o parque com cantigas e poemas. A aceroleira carregada, as flores amarelas cingindo tudo, os manacás de cheiro e os da serra, carrapateiras cacheadas e colibris ... além de amoras,frutinha são caetano e o chilrear sonoros das sabidas Bem-te-vis... Os amigos também apareceram! Eita que festejança!




Nossa gente em poema e olhares! 
Ainda bem que os temos. Ainda bem!
Mirian Cris!
Feliz de quem tem essa criatura por perto...
Quando eles cantam os passarinhos ficam mudos...


Previnam-se!
Antes que seja tarde
A palavra ADEUS está dentro da SAUDADE (Réginaldo Poeta)

domingo, 4 de novembro de 2012



A mãe adquiriu uma gata.
Buliçosa, mais Alva que amarelada.  Deu-lhe o nome de Branca. Ativa e saudável vivia pulando nos pés de malva e bebendo água onde não devia.
A cada dois anos voltamos em casa para rever os familiares; mãe, irmãos, tias, tios, amigos e a primaiada que amo tanto. Ano passado resolvemos ir no Final do Ano para Patos. Passaríamos as Boas Festas por lá.
Tudo alegre, festivo e completo não fosse a mãe descobrir que a ceia de Natal seria na casa do irmão mais velho e que Branca teria que ficar só em casa. Queria porque queria leva-la no colo, ajeitar um cantinho no banco atrás do carro.
Com esforço de sol, convencemos a mãe deixar Branca em casa, no melhor canto do sofá ela assistiria o Rei cantar em tom azulado: “quando eu estou aqui eu vivo este momento lindo”.
Socializado o consenso. Após meia noite a mãe volta da casa do irmão com uma marmita de cor cheinha de coisas deliciosas para sua outra filha-felina e bem criada.
Passado o Ano Novo, as férias acabaram-se e retomamos o labor na grande cidade.
Por telefone a mãe dava notícias da Branca; ela está um mimo, dizia entre sorrisos. Vai aprender o beabá. Brinca sem sossego. Espanta as muriçocas e as largatixinhas do muro. Sobe no ponto mais alto do beco concentrada e atenta sem escorregar. Dar cambalhotas morde o próprio rabo e foge às emoções da juventude.
Aos olhos da mãe, Branca não podia engravidar.
Num sábado à tarde a irmã liga entristecida: Houve um acidente lá em casa. Os ânimos estão inflamados e doloridos. As lágrimas enchem os olhos da mãe. Branca veio a óbito sem quê nem mais.

Gata inzoneira! Facilitadora de agravos! Pensei na mesma hora... e liguei para a mãe.
-  O que aconteceu mãezinha? Foi morte morrida, envenenamento, foi tiro, batida de carro, pisadura de cavalo?
A mãe engoliu o choro e com a voz mais sentida do universo, disse-me: Foi traumatismo crânio-encefálico, morbidade imediata sem tempo de prática médica.
- Vixe Maria mãezinha pensei em dizer mas, fiz silêncio de morte do outro lado da linha com toda aquela descrição tecnicista. A mãe suspirava enlutada e condoída.

Branca foi buscar emoções da juventude no passeio de sábado. Pensou que o ponto mais alto do beco era um carrossel. Desequilibrou-se contrafeita e estourou o quengo na dureza da maior forquilha de concreto.
Levanta perna-mole! Vai assustar as joaninhas nos pés de manjericão e malva cheirosa, vai!
Nenhuma resposta.
A prima Eudócia, médica veterinária atestou a morte.
Branca jaz.
Já era...  “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável. Aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra. Aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados. Porque tudo que é vivo morre”.
Branca morreu brincando. 
Agora a compoteira e os copos de cristais da mãe, podem descansar sem trincas na bandeja prateada do armário bege, à mão de todos.