domingo, 5 de abril de 2015

                                                Foto Pib Sjcampos.
                                               
Ele andou sobre as águas. Dançou com as moças de sua comunidade. Era dado aos vinhos e fazia discursos bons de ouvir. Chicoteou mercadores e deu carão em Pedro, chorou de agonia e tremeu de medo.
Devia ter mal hálito e unha encravada. Talvez roncasse e assuasse o nariz de modo estranho.
Seus vizinhos não botavam fé nem achavam graça nas suas feituras, mas ele curou um cego que gritava seu nome desesperadamente, fez viver o filho da viúva que morava em Naim, Lázaro e a filha de Jairo.
Talvez não soubesse nada de carpintaria. Talvez tivesse feito com pedaços de ripa seus primeiros brinquedos. Talvez gostasse do cheiro da madeira ou nunca pegasse no martelo.
Talvez escrevesse sonetos e os declamasse para suas preferidas. Isso de certo a gente nunca vai saber.
Sabemos que era um galileu bronzeado e eloquente. Falava com a autoridade própria dos sábios e com a humildade de uma criancinha amável. Foi pregado no madeiro, mas vive.
Sei que ele andou comigo pelo vale da sombra quando a morte passou pela minha vida. Acudiu-me nos dias de infinita dor e desesperança. Nos latejos da penúria quando gigantes se enfileiravam para jogar setas em minha tenda ele esteve comigo. Nas noites de saudade impune e chororô no travesseiro ele vem e permanece em silêncio e passivo.
Quando fiquei mais precária e trêmula ele passeou comigo. Ensinou-me sobre desertos e na secura mais alta retirou do seu odre a melhor água e me hidratou.
Quando adoeci de ausência ele apareceu desencurvando minhas têmporas, devolvendo o riso que escapara pelas brechas da telha. Incentivou-me a ligar o rádio e plantar hortaliças. Apontava para um letreiro brilhante e invisível onde cabia o nome da Brisa, dos irmãos, mãe, familiares e todos os amigos. E só de ver aqueles nomes eu começava a existir diferente. Recorria ao esmero de seus abraços e tudo ganhava cor e sentido.
Meu ajudador, santo prudente, homem histórico e destemido venceu a morte e a fraqueza dos dias de desassossego.
Permanece ao meu lado gerando justas sentenças, provisão e amor sem cotas. Continua alinhando meus planos na beirada das noites e na aurora de cada manhã. Nem em sonho repousa. E se não fosse a certeza que ele me guarda, vigia e protege com o afinco dos famintos que espera a mesa posta, sinceramente não sei, não sei o que seria de mim.
Um cheiro de bem querer em TODOS.
Feliz domingo de Amor comprometido.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

                                          arte Rodolfo Morales




“Uma força que nos alerta”

  ...Maria não vai com as outras. Vai sozinha. Mulher sem queixumes, sem lamentações, ou lenga-lenga. Ela não perde o prumo pelo latido dos cachorros do vizinho em frente. Não publica desafeto nem palavras vãs. Não ignora Paulo Freire e raramente aparece na rede social. Maria desce sozinha a ladeira das considerações e desenterra os sonhos no garimpo das causas sem esperança. Acende o candeeiro e ilumina pequeninos pódios. Traça rotas e pega a corda que enlaça arco-íris com a força nova das promessas que divinamente gotejam. Borda estrelinhas sonolentas na parede e abre as portas que desativam o silêncio, o marasmo, a mesmice, o cheiro das coisas com bolor. Quando aperta ela também chora. Acorda sempre cedo para atestar o grau que transforma as práticas salobras em requisitos nobres. Ignora a marcha dos contrários. O “mi-mi-mi” dos incrédulos e a arte dos que se auto enganam cotidianamente. Engajou-se na afoiteza do simples e arranjou tempo para brincar de roda, dançar com anjos e soltar pandorgas no riso mais alto. Somou princípios e ensina as crianças e adultos a recitarem a oração da permanência. Compra tijolos, levanta paredes. Reparte o pão, o azeite, o bálsamo, o confeito, a cesta com flores de papel - que ela mesma faz. – Imita a Dorcas e transforma xales em lenços que enfrentam medos. Anda fazendo tanta poesia que não dar conta de mensurar, de imprimir, de publicar. Poesia viva que estala os dedos e coça o nariz, leva topada, pega resfriado e espirra com os borrifos da poeira da estradinha amarela. Fez a soma de tudo que necessita para compor a tenda das celebrações e decidiu desentulhar o poço. Cavouca daqui, espreme de lá, percebeu que ainda falta muito. Faltam arandelas para enfeitar o sol, placas divisórias para cuidar das brechas. Falta tinta para botar cor na brancura dos cânticos e o piso para proteger a área externa. Faltam livros e Bíblias, mas ela sabe que o amor é um rio cheio e cristalino e jamais esse rio vai negar água a quem sempre afogou as adversidades de seus pares com gotas de alegria, bondade natural e porções de esperança do verbo esperançar.

*Maria existe. Tem olhos clarinhos e uma alma boa que transborda.