segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O trauma dos Aniversários

Na primeira infância não entendia aquele desafio ano após ano.
Intrigada de véspera apelava para os avós e tias mais próximas. Nunca alcançava a resposta certa. 
Minha mãe ficava bruta com minhas perguntas exaustivas.
Somente Tia Maria respondia-me num monólogo perpétuo:
- “Foi promessa”.
- “Promessa de quê, Tia? Promessa pra quê, Deus do Céu”?
Insistia com meus os olhos chorosos, sofrendo amiúde pelo cheiro da pólvora e o barulho dos fogos.
Nenhuma resposta vinha. Tia Maria silenciava sem dar brecha para eu esticar o assunto.
Todo dia Vinte e Três de Janeiro era a mesma coisa.
Meu pai soltava dúzias de foguetes enquanto minha mãe rezava um terço e cantava com toda a vizinhança uns hinos de agradecimento.
Eu morria de vergonha. Alheia e indisciplinada tentava fugir dos abraços. Depois do foguetório e da novena sempre era servido um café ou chá de canela com bolo de travessa, bolacha preta, doce de batata e broa de fubá.
Essa era a parte que eu mais gostava nos aniversários.
Com o agravamento do alcoolismo do meu pai e a depressão de minha mãe cessaram as rezas e o foguetório.
Nessa época eu tinha mais de dez anos e Jesus já era meu ajudador!
Trinta e sete anos passaram. Há duas semanas conversava com minha Tia Maria.
Refiz o interrogatório da infância e ela pacientemente contou-nos sobre a primeira filha de minha mãe. Eu não sou a primeira da prole. Nascera uma menininha antes de mim que veio a falecer num acidente depois do primeiro aniversário.
Com mais medo da morte assim que a mãe descobriu-se grávida, tratou logo de fazer um propósito muito comum na sua fé católica. Todo aniversário meu seria comemorado com reza e foguetório.
Deve ser por isso que evito sempre o alarde aniversariante.
Até hoje sofro com barulhos de fogos.
Sou grata a Deus pela vida. Sou até bem feliz. Tenho saúde, uma família linda e amigos amados.

Alegrei-me hoje por cada mensagem e desejos de bem.
Cada gesto de afeto e bondade.
Aprendi que todas as manhãs a gente aniversaria e quando se tem amigos por perto também se tem revoadas de anjos e ótimas garantias.
Sobre a dureza do tempo que nos envelhece, conservemos a poesia dos afetos sem anúncio de padecimento.
Para Todos, minha sincera gratidão e amorosidade.
Com beijoz sagrados serenados pelo melhor orvalho do Jardim de Deus.