terça-feira, 23 de abril de 2013

Travesseiro dos meus braços




Molecota e primeira de uma prole de seis, eu dava de botar reparo na mãe. 
Na curteza dos tempos, aparecia  à criatura barriguda de  novo! Umbigão sobrepujando na encosta da blusa de malha listrada.
Decretada a feita, eu tinia de raiva. Permitia-me silêncio de morte por várias semanas sem a menor paciência de aturar outra vez os enjôos até pelo cheiro de coalhada e, os longos cuidados, caprichos, repouso na normalidade do processo pós-parto.
E, lá ia a mais velha magricela no amiudar das horas, cuidar da pequerruchadinha, balançar na rede, acordar bem de manhãzinha, lavar fraldas de pano – tirar aquelas coisinhas gosmentas, esverdeadas e mal cheirosas sem engulho, era de tudo impossível! Eu engulhava até ficar tonta, mas prosseguia. Depois lá ia a mamulenga cautelosa quebrar a frieza da água para banhozinhos amornados na bacia branca de ágata. Imitar os piados da passarinhada, inventar cantigas e toadas sem nenhuma vocação, só para distrair aqueles tiquinhos de gente agalegados, olhos puxados para o mel mais claro e cabelos amarelinhos feitos cor de milho novo. Dava até gosto a robustez das bochechas e a brancura dos  bumbuzinhos cheios de talco barato e, beliscãozinhos que eu mesma dava levantando suspeita de infinito amor.
- Cadê a broinha que tava aqui? – eu dizia cocegando  a mãozinha rechonchuda que me agarrava aos cabelos, encolhendo o corpinho na maior risada. –  
- O gato comeu foi?
-  E cadê o gato?
- Saiu por aqui, passou por aqui, descansou aqui e...
- Achei o gato! – eles gargalhavam e, eu aproveitava para estender a porção alimentar: mingau de araruta em colheradinhas... Comiam tudo até arrotar num suspiro doce.
Eles eram meu recesso, minha aflição nascente, minha privação de arbítrio, meus desvios de infância e brincadeiras. Mas especialmente eram meus anjos sem andor, meus motivos de altos risos. Minha roda de conversa, minha música e terapia. Eles eram meus brinquedos saudáveis, minha testa suada, meu coração cheio de fitas e filó.
Nunca ficavam doentes. Nem de catapora, nem de sarampo, rubéola, dengue, caxumba, fadiga. Nem por falta de vacinas. Febre, só muito de vez em quandinho na floração dos dentes.
Eles eram meus. Meus amores, alegria, devoção e garantia. E ainda o são. São meus lumes mais sublimes, meu norte enfeitado, minha lente de alcance, meu religar com o passado, “meus Querubins de procissão no interior”.
Eu também sou para eles, lamparinazinha no fruir das brechas, tangedoura de aflição localizável. Quando me evocam largo tudo e parto no clarinar dos galos. Atesto minha presença com abraços bem apertados, olhos nos olhos, palavreado de adjutório e silêncio. - Tem vez que só a mudez interior alivia a carga.-  Cada um sabe o que o outro está vivendo e, vivemos felizes na meiga oferenda da simplicidade, lonjura e respeito. Não existe tristeza repisada nem segredos. Eles sabem que a qualquer momento no oitão de seus cansaços, ‘se quiser, podem fazer um travesseiro dos meus braços’. 


domingo, 14 de abril de 2013




Eu penaria sem vocês.
Eu penaria feito as ramas do pé de cipó na seca. Penaria como pena cigana velha sem voz, com roupas precárias e sem cor, procurando atávica em cada mão inválida o semblante de vocês.
Penaria feito açucenas de papel, amores-perfeitos e rosinhas discretas que enfeitam a capela solitária da estradinha brejeira e nunca ninguém as percebe.
Penaria em cada por-de-sol, em cada visita ao banhado, quermesse, festa-junina, em cada passeio, em toda poesia que eu lesse.
Penaria no esmorecer das manhãs de outono e na amareleza  das luas cheias.
Eu penaria só de ver a tigela com doce de goiaba e rapadurinha de coco Mirian Cris.
Eu penaria infeliz e morta pela ausência de vocês. Porque vocês me dão a clareza das luzes eternas, a simpleza de um céu que não tem tamanho, o esplendor dos cânticos bíblicos, os valores estocados na matéria da alma.
Vocês me dão o barulhinho dos passos de um Cristo lírico correndo feliz num prado de violetas.
Eu penaria sem vocês e choraria de saudade todas as vezes que ouvisse as cantigas de nossa tarde:
"Meninos vem brincar no mar! Oh mar vem lavar pés de menino"...

quarta-feira, 10 de abril de 2013



Ela vai chegar!
Jesus misericordioso!
Semana que entra ela chega, acabaram de me avisar!
Poetinha andeja que adquiriu tod'AQUELA belezura entre camelos e areias escaldantes dos desertos que ela mesma inventou.
A verdade é que o deserto é o pasto, o cerradinho magro onde ela espanta as horas caçando folhas de bugre, de preferência, as diuréticas pro coração ficar leve.
Eu estou que só Rute no paiol de espigas.
Asmática de alegria e com os nervos desassossegados.
Em tempo de virar romã e rachar por não conter-me.
Deus me acuda e seja louvado!

Um abraço em TODOS de ternura antiga.
Assim que ela chegar eu posto uma cantiga, uma oração ou uns troncos de cristal daqueles que dar sorte aos bailarinos, anjos e carvoeiros...

domingo, 7 de abril de 2013


Dias a fio eu e Brisa positiva dupla, embora sem uma parte. 
Preferidas pela cintilância de uma lembrança doce, engraçada e cuidadosa.
Eu e Brisa vigilantes feito as gansas de Capitólio. 
Mil cuidados e perguntas:
- Trancou o portão Mãe? 
- E a porta, tá bem fechada?
- E se faltar gás?
- E se meu pai não ligar? - (ele sempre liga variadas vezes)
Estranhávamos o silêncio da casa, a falta dos chinelos emparelhadinhos ao lado do sofá e, em especial o cheiro fumegante advindo das travessas que ele enche de comidas saborosas.
Finalmente chega a Criatura!
Revelando-se em novidades, cultura, alegria e cansaço na surpresa das horas.
Abracinhos ternos postados em certezas.
Até a velha hortinha, roída pelas formigas amanheceu de cara melhor e, todas as flores da casa ganharam uma cor durável de sentidos.
Conversinha de pilão, de companheirismo e projetos, da falta de chuvas no sertão nosso, das borboletas e cidades com futuro.
Nem abri o jornal. Seus olhos avarandados de outono nos encheu de notícia.

Feliz tempo de amizade e retornos.

"liberdade na vida é ter um amor para se prender".

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Vamos subir a ladeira 
vamos pra feira Neguinho
experimentar melancia
comprar tomate e cominho

Vamos pra feira Neguinho
tem viola e cantoria
tem leitura de cordel
soindenoiva* e poesia

Tem também manjericão
araruta, flor-cidreira
tem massa de mandioca e
galinha de capoeira...
volte logo viu Neguinho
Pra ir comigo na FEIRA


Para Reginaldo Poeta que de repente não mais que de repente 
virou o mais passeador da semana.

segunda-feira, 1 de abril de 2013




Hoje eu escrevo porque sou uma desesperada que acaricia as imposturas de certas vivências indigestas. Escrevo porque uma trêmula tristeza me descompensa, aborta-me em choradeira.
Escrevo porque a praça está cheia de lixo outra vez. Porque a mãe grávida do TERCEIRO  grita para o SEGUNDO 'calar-a-boca' senão lhe quebra os dentes.
Escrevo porque o consumo de objetos materiais continua sendo uma exigência para a Integração Social.
Escrevo porque dói, toda essa falta de poesia!
Porque em alguns momentos,  sinto como se não existisse mais bailes,  saraus antigos,  retratos na parede,  assobio do pai carinhoso que segura firme na mãozinha do filho pequeno.
Sinto como se houvesse sido extintas todas as cantigas das lavadeiras com seu cheiro gostoso de água e sabão-de-coco, rodilhas de pano, trouxa de roupa e pedras de anil guardadas na touceirinha de capim gordura.
 Parece não existir mais a casa que cheira a rosas de terreiro nem as quermesses de maio. Tá tudo tão seco, tão frio, tão pântano sem acorde que eu sinto-me como se fosse  uma vasilha velha de olhar caído, acocorada no pé do borralho  preferindo tecer esteiras com cipó fino tirado do brejo, a ser gente e, ter essa voz de sino grande que não serve para nada.