A mãe adquiriu uma gata.
Buliçosa, mais Alva que amarelada. Deu-lhe o nome de Branca. Ativa e saudável
vivia pulando nos pés de malva e bebendo água onde não devia.
A cada dois anos voltamos em casa para rever os familiares;
mãe, irmãos, tias, tios, amigos e a primaiada que amo tanto. Ano passado
resolvemos ir no Final do Ano para Patos. Passaríamos as Boas Festas por lá.
Tudo alegre, festivo e completo não fosse a mãe descobrir
que a ceia de Natal seria na casa do irmão mais velho e que Branca teria que
ficar só em casa. Queria porque queria leva-la no colo, ajeitar um cantinho no
banco atrás do carro.
Com esforço de sol, convencemos a mãe deixar Branca em casa,
no melhor canto do sofá ela assistiria o Rei cantar em tom azulado: “quando eu
estou aqui eu vivo este momento lindo”.
Socializado o consenso. Após meia noite a mãe volta da casa
do irmão com uma marmita de cor cheinha de coisas deliciosas para sua outra
filha-felina e bem criada.
Passado o Ano Novo, as férias acabaram-se e retomamos o
labor na grande cidade.
Por telefone a mãe dava notícias da Branca; ela está um
mimo, dizia entre sorrisos. Vai aprender o beabá. Brinca sem sossego. Espanta
as muriçocas e as largatixinhas do muro. Sobe no ponto mais alto do beco
concentrada e atenta sem escorregar. Dar cambalhotas morde o próprio rabo e
foge às emoções da juventude.
Aos olhos da mãe, Branca não podia engravidar.
Num sábado à tarde a irmã liga entristecida: Houve um
acidente lá em casa. Os ânimos estão inflamados e doloridos. As lágrimas enchem
os olhos da mãe. Branca veio a óbito sem quê nem mais.
Gata inzoneira! Facilitadora de agravos! Pensei na mesma
hora... e liguei para a mãe.
- O que aconteceu
mãezinha? Foi morte morrida, envenenamento, foi tiro, batida de carro, pisadura
de cavalo?
A mãe engoliu o choro e com a voz mais sentida do universo,
disse-me: Foi traumatismo crânio-encefálico, morbidade imediata sem tempo de
prática médica.
- Vixe Maria mãezinha pensei em dizer mas, fiz silêncio de
morte do outro lado da linha com toda aquela descrição tecnicista. A mãe suspirava
enlutada e condoída.
Branca foi buscar emoções da juventude no passeio de sábado.
Pensou que o ponto mais alto do beco era um carrossel. Desequilibrou-se
contrafeita e estourou o quengo na dureza da maior forquilha de concreto.
Levanta perna-mole! Vai assustar as joaninhas nos pés de
manjericão e malva cheirosa, vai!
Nenhuma resposta.
A prima Eudócia, médica veterinária atestou a morte.
Branca jaz.
Já era... “Cumpriu
sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável. Aquilo que é a marca do
nosso estranho destino sobre a terra. Aquele fato sem explicação que iguala
tudo que é vivo num só rebanho de condenados. Porque tudo que é vivo morre”.
Branca morreu brincando.
Agora a compoteira e os copos de cristais da mãe, podem
descansar sem trincas na bandeja prateada do armário bege, à mão de todos.
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