domingo, 4 de novembro de 2012



A mãe adquiriu uma gata.
Buliçosa, mais Alva que amarelada.  Deu-lhe o nome de Branca. Ativa e saudável vivia pulando nos pés de malva e bebendo água onde não devia.
A cada dois anos voltamos em casa para rever os familiares; mãe, irmãos, tias, tios, amigos e a primaiada que amo tanto. Ano passado resolvemos ir no Final do Ano para Patos. Passaríamos as Boas Festas por lá.
Tudo alegre, festivo e completo não fosse a mãe descobrir que a ceia de Natal seria na casa do irmão mais velho e que Branca teria que ficar só em casa. Queria porque queria leva-la no colo, ajeitar um cantinho no banco atrás do carro.
Com esforço de sol, convencemos a mãe deixar Branca em casa, no melhor canto do sofá ela assistiria o Rei cantar em tom azulado: “quando eu estou aqui eu vivo este momento lindo”.
Socializado o consenso. Após meia noite a mãe volta da casa do irmão com uma marmita de cor cheinha de coisas deliciosas para sua outra filha-felina e bem criada.
Passado o Ano Novo, as férias acabaram-se e retomamos o labor na grande cidade.
Por telefone a mãe dava notícias da Branca; ela está um mimo, dizia entre sorrisos. Vai aprender o beabá. Brinca sem sossego. Espanta as muriçocas e as largatixinhas do muro. Sobe no ponto mais alto do beco concentrada e atenta sem escorregar. Dar cambalhotas morde o próprio rabo e foge às emoções da juventude.
Aos olhos da mãe, Branca não podia engravidar.
Num sábado à tarde a irmã liga entristecida: Houve um acidente lá em casa. Os ânimos estão inflamados e doloridos. As lágrimas enchem os olhos da mãe. Branca veio a óbito sem quê nem mais.

Gata inzoneira! Facilitadora de agravos! Pensei na mesma hora... e liguei para a mãe.
-  O que aconteceu mãezinha? Foi morte morrida, envenenamento, foi tiro, batida de carro, pisadura de cavalo?
A mãe engoliu o choro e com a voz mais sentida do universo, disse-me: Foi traumatismo crânio-encefálico, morbidade imediata sem tempo de prática médica.
- Vixe Maria mãezinha pensei em dizer mas, fiz silêncio de morte do outro lado da linha com toda aquela descrição tecnicista. A mãe suspirava enlutada e condoída.

Branca foi buscar emoções da juventude no passeio de sábado. Pensou que o ponto mais alto do beco era um carrossel. Desequilibrou-se contrafeita e estourou o quengo na dureza da maior forquilha de concreto.
Levanta perna-mole! Vai assustar as joaninhas nos pés de manjericão e malva cheirosa, vai!
Nenhuma resposta.
A prima Eudócia, médica veterinária atestou a morte.
Branca jaz.
Já era...  “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável. Aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra. Aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados. Porque tudo que é vivo morre”.
Branca morreu brincando. 
Agora a compoteira e os copos de cristais da mãe, podem descansar sem trincas na bandeja prateada do armário bege, à mão de todos.

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