sexta-feira, 30 de maio de 2014


Ele não revidou. Foi logo desenvolvendo a alegria que lhe é inata: “Rádio-cirurgia Doutô? Vambora então! Quero é acabar com esses bicho tudo”. O médico radioterapeuta sorriu. Eu fiz silêncio e fiquei com vontade de fazer mais perguntas sobre as novas metástases, mas considerei as orientações e guardei a curiosidade no embornal dos excessos.
Voltei para casa naquela primeira quinta-feira com outro tipo de certeza: Precisava ser mais persistente na fé e perder o medo de dirigir em São Paulo. Sempre me assustei com o tamanho da cidade, o trânsito, o mundaréu de gente, a frialdade do concreto e a danação frenética de todo o vai-e-vem. Falei pra Deus: "Pai eterno como vou conseguir esgarçar todos esses guetos e fortalezas? Como vou dar conta de chegar ao nosso destino sem me perder, sem esquecer os atalhos, as setas, os detalhes das entradas enviesadas"?
O terceiro subsolo do Hospital da Beneficiência Portuguesa mais parece um coração de um milhão de artérias pulsando na agoridade das horas. Dispensei o pensamento logístico de partidas e chegadas. O sossego veio simples e integrado. Os amigos mais uma vez tomaram partido e fizeram de nossa causa um revezamento consensioso. Disponibilizaram-se sinceros e amorosos. Remanejaram suas agendas e compromissos. Transferiram os afazeres para outros dias e horários e como num portal de delicadezas e bondades transbordantes efetivaram a prática mais cuidativa que vivenciei.
Oswaldo Jr. Lucas, Ricardo, João Gambini, Paulo Henrique todos ali ofertando companhia e cuidados. Valeria e Fábio Ramos na condução assertiva, na sala de espera, nos corredores iluminados, nos almoços bem corridos e nas risadas hospitalar. Só precisei faltar no trabalho duas vezes. Fui acudida diariamente por anjos risonhos feitos de amor genuíno que levavam, traziam e cuidavam do meu precioso bem. Fazendo positivo todo o procedimento novo. Fechamos o ciclo. O desconforto foi mínimo. As dores pontuais, mas suportáveis. O cansaço só um pouco e a vontade de vida abundante.
Devagarinho bem de porçãozinha volta o aroma da poesia. Arejos da providência divina. Clarão menor de temor e crivos. Cantiga de passarinhos no açaizeiro e gerânios encomendados para enfeitar a janela do quarto...
Minha alegria também consiste em vê-lo descer a ruazinha de pedra para buscar o pão, pisando na barra do moletom surrado que sem pretensão vai enxugando o sereno das calçadas silenciosamente.
Observo-o e amo-o com o mesmo zelo dos que em tudo aprendeu a criar esperança.

Um abraço longo e apertado em TODOS.
Saudades muitas.

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