Hoje minha Trincheira acordou
mais silenciosa, mais completa de vazio. Ele que foi o líder mais respeitado da
comunidade, que nos viu pequeninos e nos aconselhou com seus modos paternos.
Ele que era defensor dos fracos, defensor da terra, das águas. Incansável
ajudador de todos cansou-se de esperar a chuva demoradeira e foi se encontrar
com sua amada Lita.
Ele que me encomendou tantas
cartas para seu filho Antônio, conheceu São Paulo e morou em Guarulhos. Por
muito tempo só usava calças UStop. Uma chiqueza pra roça!
Nos finais de semana eu sempre ligava
para saber como estava. Ultimamente estava mais reclamão, saúde afracada,
aperreava-se com o calor que sempre foi nosso. Em janeiro nos abraçamos pela
última vez. Disse-me que o cansaço lhe vencia inteiro, talvez não aguentasse a
compridez do tempo. Apertei sua mão e lhe acarinhei a cabeleira prateada.
Sentei-me na soleira da porta como fazia quando era menina. Perguntou-me da saúde
do Poeta e mandou-nos perseverar. Disse que Deus é bom e nunca desampara seus
filhos amados. Eu disse amém. Ele ficou calado. Sua voz era terna e um
pouquinho rouca devido às dezenas de anos em tragos, mas suas palavras tinham a
clareza dos satélites raros. Não bebia café, ainda fumava e tinha mania de
cuspir no chão, para o lado de lá da calçada. Quando as cisternas das casas
estavam beirando a metade, ele convocava os responsáveis municipais e
rapidamente os carros pipas eram enviados. Ele cuidava dos reparos em todos os
detalhes; energia elétrica, telefonia rural, agentes de saúde, eleição e outros
recados. Conhecia todos e chamava cada um pelo seu nome ou apelido.
Foi um mestre. Um sabedor
popular. Um incansável buscador de melhorias rural. Um bonito anjo idoso que
atendeu o chamado celeste e viajou colorido e íntegro. Satisfeito e tímido.
Deixando a rede e a cadeira de balanço na sala deserta. Ambas pendidas,
descompensadas e esvaziadas de riso.
Osmundo Amâncio de Morais as vezes esqueço "que a gente é feito para acabar" e dou de doer e dou de chorar...