terça-feira, 11 de junho de 2013

Entre mudança, flor miudinha e outros ocasos.




Por cinco anos no mesmo horário abri a janela de madeira grossa, pintada de bege com gradinha protetiva azul.
Aberta, era como um bom vinho. Enchia-me a alma, adoçava a vista. Os canteiros de rosas na avenida estreita, os ipês enfileirados, os flamboyanzeiros, os quero-queros e os bem-te-vis desafobados, ensinavam-me que “o mundo não é limitado, nós que o reduzimos por preguiça de enxergá-lo”.
O elefante branco, antigo prédio em frente à janela, na sua mudez de alvura até parecia um sobrevivente satisfeito com a alforria do borboletário e também com a corrida dos recrutas em suas cantorias ritmadas: “Sou soldado da Pátria/ Meu Brasil vou defender...” E todos repetiam: “VOU DEFENDER” com voz de fortes.

A luz da paisagem que eu via também era de passagem e, eu sabia.
Sabia que num desses dias ao amanhecer, receberíamos a visita da Ana, do arquiteto Luis Carlos, do Engenheiro Rogério e do Amarildo, o mais ágil pedreiro que usa boné propagando a Texaco.
Projetei minha ausência com ritual e zelo. Obedecendo a ordem harmoniosa de despejo, aliviei o espaço.
Os meninos do setor financeiro apareceram em trio; Reinaldo, Vinicius e João Victor. Com disposição traziam a força dos que chegam a tempo e, cuidaram de transferir a apoucada mobília; um armário de aço, um outro de cor azulada, o extintor de incêndio, três pares de muletas e uma bengala foram todos parar na sala vizinha. A mesa, a cadeira giratória, o vaso de argila com lírio raro, o quadro mural verde com informes-recados e a placa de Assistente Social, o Antônio levou para o novo setor; uma salinha estreita e desavisada, com porta para a rua e sem qualquer moldura para enfeitar a sonolência das paredes.
Meti a esperança na primeira gaveta e lembrei-me das causas que nos estimulam  a amar o novo.
Arrumei a violeta no beiral, a garrafa d’água, o telefone - que agora tem fio-, a impressora, o calendário, o porta-lenço e o aparador de canetas. O computador, os livros, a bíblia e a foto em família.

Já estava quase na hora do almoço quando ouvi as cigarras no açaizeiro. Fui até a porta e vi o manacá entre as pedras cheinho de flor. Julguei-me dona dos ventos celestes e dos risos de Serafins graciosos. Tudo estava certo especialmente pelo jardim das cigarras. Meu avô dizia: “quando há cigarras a festa está bem perto”. E a festa está perto de fato, bem na minha frente beirando a calçada.

Zenilda Lua

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