Entre mudança, flor miudinha e outros
ocasos.
Por cinco anos no mesmo horário abri a
janela de madeira grossa, pintada de bege com gradinha protetiva
azul.
Aberta, era como um bom vinho. Enchia-me
a alma, adoçava a vista. Os canteiros de rosas na avenida estreita, os ipês
enfileirados, os flamboyanzeiros, os quero-queros e os bem-te-vis desafobados,
ensinavam-me que “o mundo não é limitado,
nós que o reduzimos por preguiça de
enxergá-lo”.
O elefante branco, antigo prédio em
frente à janela, na sua mudez de alvura até parecia um sobrevivente satisfeito
com a alforria do borboletário e também com a corrida dos recrutas em suas
cantorias ritmadas: “Sou soldado da Pátria/ Meu Brasil vou defender...” E todos
repetiam: “VOU DEFENDER” com voz de fortes.
A luz da paisagem que eu via também era
de passagem e, eu sabia.
Sabia que num desses dias ao amanhecer,
receberíamos a visita da Ana, do arquiteto Luis Carlos, do Engenheiro Rogério e
do Amarildo, o mais ágil pedreiro que usa boné propagando a
Texaco.
Projetei minha ausência com ritual e
zelo. Obedecendo a ordem harmoniosa de despejo, aliviei o
espaço.
Os meninos do setor financeiro
apareceram em trio; Reinaldo, Vinicius e João Victor. Com disposição traziam a
força dos que chegam a tempo e, cuidaram de transferir a apoucada mobília; um
armário de aço, um outro de cor azulada, o extintor de incêndio, três pares de
muletas e uma bengala foram todos parar na sala vizinha. A mesa, a cadeira
giratória, o vaso de argila com lírio raro, o quadro mural verde com
informes-recados e a placa de Assistente Social, o Antônio levou para o novo
setor; uma salinha estreita e desavisada, com porta para a rua e sem qualquer
moldura para enfeitar a sonolência das paredes.
Meti a esperança na primeira gaveta e
lembrei-me das causas que nos estimulam a amar o
novo.
Arrumei a violeta no beiral, a garrafa
d’água, o telefone - que agora tem fio-, a impressora, o calendário, o
porta-lenço e o aparador de canetas. O computador, os livros, a bíblia e a foto
em família.
Já estava quase na hora do almoço quando
ouvi as cigarras no açaizeiro. Fui até a porta e vi o manacá entre as pedras
cheinho de flor. Julguei-me dona dos ventos celestes e dos risos de Serafins
graciosos. Tudo estava certo especialmente pelo jardim das cigarras. Meu avô
dizia: “quando há cigarras a festa está bem perto”. E a festa está perto de
fato, bem na minha frente beirando a calçada.
Zenilda
Lua