No inicio da noite de sábado um alerta: Macarrão tem de ir à panela!
Os meninos chegarão famintos.
Num instinto paterno o Poeta cuida de tudo, corta a cebola e os tomates vermelhos, descansa no sal a carne moída, consulta o relógio, atiça o fogo, escolhe os pratos, escorre a massa, apronta o molho e eles chegam. Viola em punho, perna tatuada, cabelos de cachos. Enchem a casa de riso. Misturam-se aos adultos como se fossem eternos, suavizando as coisas duras numa algazarra sem enfado.
Nestes dias de encontro a receita não aceita dicas. Segue solta numa postura amorosa.
Dou-me conta que a filha cresceu e trouxe para seus dias de mocidade o brilho estaloso das noites de lua, cantigas sem regras que alumiarão o asfalto de minha velhice aproximativa.
A noite assobia doce e alta. Colchões, cobertas e travesseiros improvisados adotam a sala e os três meninos se esparramam pelo chão feito batatinhas sonolentas.
Nasce o domingo e eles prosseguem burilando temas que merecem aplauso.
Pedro estica o fio das conversas de quintal e descreve com pompas o tempo que modelava para sua mãe costureira acertar os alinhavos de roupa nova, encomendada pela vizinha para a filha do meio. Aperreio infante. Dado a gargalhada ele conta-nos que insistia para que a mãe contratasse outro provador de roupas e nunca obteve êxito.
Remexe as lembranças e pausadamente fala do bausinho que ganhou de presente da avó e o irmão quebrou a tranca. Suportou a dor daquela ação danosa e só depois se vingou choroso estragando o videogame do caçula. Explica com detalhes o pano parecido com veludo que aplicou na parte interna do baú sem tranca só para este ficar mais risonho e até hoje guarda dentro dele seus tesouros bem encomendados.
Conhecendo o tempo e sua escassez de diálogos, incentivo-os a continuar.
Empenho-me na promoção de afeto que aos poucos ganha forma colorida e se multiplica.
O Stefan imita o Pedro e também abre sua caixa de história.
Revive fases de amor materno e consola-se pelas roupas de babado e franja que sua irmã lhe emprestava. Encantado com o feito, erguia os bracinhos e bailava com a contenteza de menino que tinha menos de cinco anos de idade e adorava experimentar roupas compatíveis ao gênero oposto.
Todos riem sem economia e eu lavro a percepção do quanto é importante esta unicidade.
Sinto vontade de abraça-los, impedindo-os de ir-se tão já.
Sinto vontade de pedir ternamente: Continuem assim viu? Alvejando o tempo sem negar alegria neste aprendizado necessário. Precisamos prosseguir meninos com a rareza dessa poesia humana, saltitante, encantosa e cheia de laços, franjas e bordados. É nela onde está o ouro que precisamos lapidar.
Com mais ternura
Zenilda Lua
Outono de 2010