quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Minúcias


O ano era 1990 e aquela tarde excedia luz. Minha alma não comentava nada que a diferenciasse das outras tardes até o carteiro passar e me entregar aquela carta que mais parecia uma serenata. Escrita a mão. Frente e verso vestida em letra de forma caprichada e morena. Lembrando as ilustrações dos contos de Andersen, apareceu como uma afirmação palpável, leve, graciosa e portadora de uma felicidade completamente desconhecida aos meus olhos céticos de cortesã despretensiosa. Ele não me conhecia. Nunca, nunquinha tínhamos sequer nos encontrado. Pegou meu endereço com um amigo numa noite de autógrafos e poemas. Esse amigo lhe falou da minha inclinação lunar, dos meus suspiros pela MPB e poesia . Das saias hippies, das longas cartas que eu escrevia e enfeitava de fita, das minhas noites de febre e estrelas, dos sonhos desviados, dos livros que eu sempre carregava na sacola de renda bordada e dos meus cordéis estendidos na parede da sala. Ele ficou estimulado e resolveu descompassar meu coração. Me falava na sua carta da sua paixão pelo teatro (fazia artes cênicas) e colecionava todas as raridades da MPB. Conhecia o Tom Zé, Ednardo, Alceu, Zé Ramalho, Geraldinho Azevedo,era amigo do Oswaldo, Renato Teixeira... Tomava cerveja com Zé Geraldo . Escrevia poemas e pichava os muros esperando um amor para desembrulhar o seu fado. É claro que eu me deslumbrei por inteira feito debutante quando encontra o seu par no baile. Respondi naquela mesma tarde a carta do Poeta que passava a me chamar de Lua e eu me sentia a própria; risonha, cheia, dourada, prateada e saudável passeando livremente por recantos invisíveis, experimentando sensações inexplicáveis... Naquele céu de virgens promessas, eu não exigia platéia apenas, percebia que as noites passaram a ficar muito mais cheias de graça e cor , as cartas se acentuavam em diversas e me induziam a colher todas as pétalas da vida sem saber que elas eram o supra sumo, o cálice bento, as placas de encantamento os olhos sacro do Amor...

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