Disse sim
para o que a razão recomenda numa tarde de sábado quando ela me apresentou o
desejo de viajar à África do Sul no intercâmbio escolar.
Meu coração latejou inquieto escorando-se
numa sozinhez iminente. Há quatro meses o câncer havia levado o pai dela e a
gente ainda vivia o processo dolorido da ausência, do choro no meio da noite e
de sentir o cheiro dele em todos os cantos da casa. Depositei meu olhar no
portal da cozinha enquanto ela lavava a louça e falava do Cabo das Tormentas e
da janelinha por onde Mandela via o por do sol quando ficou preso na ilha.
Permaneci avulsa cobiçando a plenitude dos
felizes. Pensando num jeito de arranjar forças para não morrer de chorar no dia
que ela viajasse. Na semana seguinte fui buscar compreensão para a providência
dos detalhes. Esmiucei tudo. Tintin-por-tintin. Maternagem e cautela. Consulta
financeira, médica, odontológica e outros aportes geradores de cuidados.
Que lindo aquele riso solto dela. Aquela
alegriazinha lagrimada de vagalume que brilha mesmo quando a noite é
seca. “O tempo pode ser de aço, filha, mas pontas de sublimes ainda enfeitam
nossa janela”. Afirmei consumada e fui ajuda-la com as roupas de inverno.
Fez frio no dia do embarque e um dilúvio represou
meus olhos. Almoçamos juntas sem palavras para evitar outras lágrimas. Mais
tarde enlaçadas num abraço de amor trocamos promessa de cuidados diários.
“Chorar faz bem. Feiura é não saber usar Skype”.
Era uma provocação amorosa. Tenho pouca habilidade com tecnologias e estava
aprendendo a utilizar a ferramenta que ela instalou a pouco no aparelho celular
recém-comprado.
A internet facilitou tudo e eu cavouquei mais
trabalho para espantar a solidão dos dias calmos. Os amigos vieram feitos sol,
feito amor divino. Brindaram comigo o eterno e o célere, a foto e o poema, o
soneto e o salmo.
Água com flor de hortelã, bolo prestígio, canja
de galinha, café amargo com manteiga da terra no pão bem tostadinho. Feijoada,
licor de araçá e uma antiga cantiga tocada por um desses anjos líricos no meio
da sala “somos todos irmãos da lua moramos na mesma rua”.
Deus é bom. A saudade é que é danada e vive
a traquejar minha alma. Todo dia no meio da tarde nos falamos via Skype. Meu
coração se apronta todo para espera-la. Fica corado, florido por gratidão e
milagres. Num rebuliço santo se repete animado: Brisa, eu te amo!