Há dezesseis anos e nove meses completos, uma centelha de vida da mais alta sorte alojou-se em mim. 
Eu que mais parecia uma vassoura na chuva, um graveto pendendo seco no estalo do tempo, passei a entender a valia do sagrado que Deus estendia-me com as duas mãos.
Dei de comprar vestidinhos bordados, sapatilhazinhas, bonecas de retalho, presilhinhas de cabelo. 
Dei de querer pintar paninhos cheirosos para sua chegada.
E ela chegou numa esperada manhã de dezembro, pelas mãos cuidadosas da Dra. Denise, em meio à declamação e improviso de versinhos simples, num parto normal de apoucada dor.
Segurei-a no colo sem qualquer talento para explicações, porém certa que todas as dúvidas relacionadas ao amor, desapareceram pela infinita luz daquele olhar moreno tão puxado para o pai.
Foi assim Filha, que fizestes de minha vida um carrossel luminoso de acontecimento feliz.
Deixastes tudo ilustrado pela tua cor e cheiro. 
Pelos teus passos, voz, livros, músicas, pedidos, cochilos e, principalmente pelo perdurar do teu riso doce.
Abonastes minha falta de traquejo para certos ritos, perdoastes minhas ausências, encheste-me de esperança com teus desenhos e dizeres de amor. Brincastes de correr comigo pelas viseiras da luz. 
Brincamos de escutar o assobio das árvores, de acalmar o rio, de tanger borboletas, de plantar tomates, adivinhar canções e contar estrelas.
Segurando minha mão visitastes catedrais, templos e casinhas tristes nos fundões dos brejos. 
Hoje compreendes a importância de um vaso sem flor e de um chão vazio. 
Sofres quando proíbem as auroras. 
És de bondade no estado genuíno das coisas. 
Por isso estendo a minha manta preferida para te sentares com teus amigos no bosque, carrego teu violão e a capa de chuva, seguro o pratinho com tinta retinta para pintares o rosto de tristeza pelas injustiças dos avaros, levo água na garrafinha azul, para se acaso a tarde seca, lhe trouxer mais sede.
Sou planta cativa dos teus sonhos Filha! 
 A tua canção envolve todos os meus ramos. Torna-os festivo para te esperar. 
E eu te esperarei sempre.  Na posição materna de paciência e agrado.
Sofro com a possibilidade da tua ausência em minha vida.
Porque você me ensinou a ser muito melhor.
Reintegras minha essência, salva a poesia que às vezes julgo esvaída do meu coração desmiolado, cingido e acalentado pela sonoridade da tua voz, pela coleção de suas verdades, causas e singeleza.
Brisa, levo-a comigo por todos os meus alqueires, alarde, silêncio  e roseiral. 
Amo-te filha com um amor tão absoluto que me calo e acabo chorando, repleta.